‘Em algumas décadas, idioma falado no Brasil se chamará brasileiro’, diz linguista português

Uso do ‘onde’, hífen, adjetivos: o que caiu na prova de português do CNU e como resolver
Fernando Venâncio, autor do livro 'Assim Nasceu uma Língua', afirma que 'não há maneira de retroceder, não há maneira de travar esse processo de afastamento entre o português e o brasileiro'. Painel no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, mostra os locais onde se fala português no mundo
Guilherme Sai/Museu da Língua Portuguesa
A língua de Portugal não nasceu exatamente em Portugal. E o Brasil, a principal ex-colônia portuguesa, fala um idioma que cada vez mais se modifica e será chamado em um futuro breve de "brasileiro", e não mais de "língua portuguesa".
São visões que talvez mexam com o orgulho do lusitano, o povo que construiu o primeiro Estado moderno europeu e deixou nos continentes americano, africano e asiático marcas profundas de sua cultura (e também da dominação pela força).
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O defensor dessas visões, porém, é justamente um português: o linguista Fernando Venâncio. Ele teve publicado recentemente no Brasil o livro Assim Nasceu uma Língua (editora Tinta da China).
Venâncio argumenta — apoiado em diversos estudos acadêmicos e registros históricos — que o idioma português nasceu em um território do qual somente uma parte é atualmente Portugal: o Reino da Galiza, fundado no século 5 d.C., após a dissolução do Império Romano.
"A simples ideia de que, algum dia, um idioma estrangeiro possa ter sido a língua de Portugal é-nos insuportável", escreve o linguista.
Para se ter uma ideia, Lisboa, atual centro da vida portuguesa, levou mais 700 anos sob outro domínio: o dos árabes que ocuparam a Península Ibérica.
Até então, Lisboa (e grande parte da península) falava moçárabe — uma variedade de dialetos de origem latina com influência do árabe, que era padrão na vida institucional da época e legou palavras como "almofada", "açougue" e até "fulano". No decorrer desse tempo, a língua galega já tomava forma.
A parte principal do antigo Reino da Galiza é atualmente a Galícia, comunidade autônoma da Espanha conhecida por cidades como A Coruña, Vigo e Santiago de Compostela (esta considerada "berço simbólico" da língua galega).
Reino da Galiza ocupava terras hoje de Portugal e da Espanha
BBC
Movimentos locais tentam hoje em dia valorizar o uso do galego, que sofreu um processo de apagamento e desprezo tanto por portugueses quanto por espanhóis. O castelhano tem larga preferência no dia a dia da Galícia, principalmente nas grandes cidades.
"Há galegos que fazem o possível para inverter o processo, mas é muito difícil porque é o castelhano que tem prestígio", diz Venâncio à BBC News Brasil.
"É em castelhano que se cantam as canções mais correntes diárias da própria Espanha. O galego é visto como uma língua rural, uma língua de aldeão."
Um exemplo dessa tensão está na produção espanhola Mar Adentro (2004), estrelada por Javier Bardem e vencedora do Oscar de melhor filme internacional. É passada na Galícia agrária, rústica e tem diálogos em galego.
O idioma não tem na Espanha o mesmo prestígio e adesão do catalão, falado como primeira língua por parte considerável da população de Barcelona e que é expressão das aspirações de independência da Catalunha em relação a Madri.
Já a razão para a dissipação histórica das raízes galegas na língua portuguesa está justamente, explica Venâncio, na construção da identidade nacional de Portugal — fundado como reino no ano de 1139.
Os portugueses precisavam cultivar uma narrativa de unidade e de diferença em relação a outras regiões. Assim, as pegadas originalmente vindas da Galícia, um reino que cairia sob a esfera de Castela nos séculos seguintes, foram sendo apagadas.
Segundo o linguista, a própria ideia do "galego-português", termo que costuma designar uma forma antiga do português, estudado em livros escolares brasileiros por meio das obras de Gil Vicente (dramaturgo dos séculos 15 e 16, autor do Auto da Barca do Inferno), é um exemplo de disfarçar essas raízes.
A língua portuguesa nasceu simplesmente galega, sustenta Venâncio, e depois foi sendo transmitida para a parte sul do reino, ganhando seus contornos próprios, hoje distintos das suas origens — embora o português siga mais próximo do galego do que do castelhano.
Por sinal, a clássica idealização de que a palavra saudade só existe na língua portuguesa cai por terra em uma simples consulta a um dicionário de galego.
'Inho' e 'oxente': heranças galegas?
Um mergulho nas características desse idioma indica que até "marcas registradas" do Brasil têm origem no galego.
O diminutivo -inho, de cafezinho ou Ronaldinho, é frequentemente associado a um traço da afetividade e da cordialidade brasileira.
Mas esse elemento, afirma Venâncio, é uma criação da língua galega, que passou pelo seu processo de formação, como visto, bem antes dos 1500 da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil.
Já a origem da mais famosa expressão nordestina, oxente, "podemos dizer sossegadamente que é de influência galega", diz o linguista.
Não há um registro definitivo do surgimento de oxente no linguajar nordestino.
Na internet, até se encontra a tese de que é uma derivação da expressão do inglês "oh shit" ("que m…", em tradução livre), que teria chegado com militares americanos estacionados no Nordeste brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial.
As evidências, no entanto, apontam para o noroeste da Península Ibérica.
"Xente" (gente) é uma palavra galega. O fonema do X no lugar dos sons de G e J no português, aliás, é um dos traços mais marcantes da língua galega (José vira Xosé na Galícia, por exemplo).
Não se pode ignorar que o termo "galego" — um povo com a genética norte-europeia dos celtas — seja usado amplamente no Nordeste brasileiro para designar "pessoa loira". A região, de fato, chegou a receber imigrantes oriundos da Galícia.
O linguista Fernando Venâncio, autor de 'Assim Nasceu uma Língua'
Divulgação
'Língua brasileira'
Apesar de seus 79 anos e décadas de estudo (e ensinamento em universidades holandesas) da língua portuguesa, Venâncio está longe de ser um purista.
Ele diz que não vê "como tragédia e nem sequer como um drama" a entrada de termos brasileiros — como "geladeira" — na fala de crianças portuguesas.
"O exemplo que normalmente se dá é, em vez de frigorífico, dizer geladeira. Portanto, podemos admitir que uma criança chega ao pé da mãe e pergunte 'posso tirar isto ou aquilo da geladeira?' A criança não está a falar brasileiro, está a falar um pouco à brasileira e, na vida real, isso não tem importância. Mas é um fato que esse processo se dá", diz Venâncio.
Mesmo com a influência do linguajar brasileiro sobre a população portuguesa, o linguista considera que está em curso um processo de separação entre as duas variantes, e não de união.
"Não há maneira de retroceder, não há maneira de travar esse processo de afastamento entre o português e o brasileiro", diz Venâncio, que já pensa intuitivamente na variante como um idioma à parte.
"O brasileiro é uma língua magnífica. Desculpe: é uma norma [variante] magnífica", corrige-se.
"Bem, é possível que você ainda viva quando se formar uma língua brasileira, o que, digamos, não será o meu caso."
Mas, nos dois lados do Oceano Atlântico, linguistas e gramáticos argumentam que ainda há unidade em normas e usos linguísticos das duas variantes, que morfemas (artigos, preposições, pronomes, entre outros) permanecem os mesmos e que o português culto do Brasil é quase igual ao português culto de Portugal.
Esses elementos impediriam a afirmação de que há uma "língua brasileira".
Venâncio não entra nestas questões técnicas. Diz, no entanto, que a linguagem brasileira que chama de "espontânea", mais distante da norma culta tradicional, está aos poucos separando a nossa variante do português europeu.
"Isso é uma maneira de medir [o processo de separação]. E é uma maneira também de colocar a questão. O falante culto brasileiro também fala de uma maneira mais espontânea, de uma maneira mais 'diária', e esse processo vai ser cada vez mais acelerado", afirma.
"E sabemos que nos processos de mudanças da língua há sempre esses momentos de aceleração. Vai dar-se um afastamento do português europeu. Não sabemos quando é que será. Só sabemos dizer que isso é inevitável."
O linguista tenta resolver a questão ao concluir Assim Nasceu uma Língua afirmando: "O português promete, pois, dividir-se — ou multiplicar-se — em outros idiomas, tal como um dia aconteceu à língua dos romanos, que, por eles, não tinham destas andanças da história a mínima ideia. Sabermos isso faz-nos, a nós, mais felizes? É o mais certo".

Aos 3 anos, filho da influencer Gabi Brandt já sabe ler e localizar os estados do Brasil no mapa; você ganharia dele no jogo? Faça TESTE

Não é o primeiro hobby curioso de Henri: neste ano, ele já se divertiu aprendendo (sozinho!) o alfabeto árabe. Aos 3 anos, filho de Gabi Brandt já sabe ler e localizar estados no mapa do Brasil
Não queremos que você se sinta humilhado por uma criança, mas vamos lá: aos 3 anos, Henri — filho mais novo da influenciadora Gabi Brandt e do cantor Saulo Poncio — não só já sabe ler os nomes dos estados brasileiros, como também consegue localizá-los no mapa.
Esse é o novo hobby do menino, contou a mãe dele em um vídeo do TikTok, postado nesta terça-feira (20). Nos comentários, os seguidores de Gabi ficaram impressionados: "tô perdendo para uma criança de 3 anos"; "eu teria errado tudo"; "a surra em mim!".
Você também acha que perderia para o pequeno Henri? Ou ainda se lembra das aulas de geografia? Abaixo, faça o quiz e teste seus conhecimentos!
Em seguida, continue lendo a reportagem e descubra em qual idade o MEC recomenda que as crianças já estejam alfabetizadas.
Você sabe identificar os estados brasileiros no mapa?
📱Em maio, a influenciadora já havia comentado nas redes sociais sobre outro hábito curioso do caçula: ele havia aprendido sozinho o alfabeto árabe durante os 30 minutos diários em que pode brincar no celular da mãe.
"Não sei como, mas ele encontrou musiquinhas, o Youtube foi recomendando mais vídeos… quando eu vi, já estava sabendo tudo!", escreveu Gabi. "[Henri] é fascinado por línguas estrangeiras; aprendeu inglês sem estar em escola bilíngue (…)."
O g1 entrou em contato com a assessoria da influenciadora para saber mais detalhes sobre o desempenho intelectual do menino, mas não havia obtido resposta até a última atualização desta reportagem. No Instagram, Gabi já compartilhou que Henri fez um teste de QI em 2023, com uma neuropsicóloga, e o resultado foi "surreal, extremamente raro".
Qual é a idade esperada para a alfabetização?
Segundo o Ministério da Educação (MEC) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, documento que norteia o que deve ser aprendido nas escolas), os alunos devem saber ler e escrever até os 7 anos, ao final do 2º ano do ensino fundamental.
Isso não significa que o contato com o alfabeto e os fonemas precise acontecer apenas nessa faixa etária. Na educação infantil, as crianças já devem participar de práticas de letramento de forma lúdica, como:
brincadeira com parlendas;
contação de histórias;
elaboração coletiva de textos (o professor pode ser o responsável por redigir);
exploração de hipóteses de como escrever uma palavra.
Embora não seja comum, é possível que alunos aprendam a ler sozinhos mesmo antes de a alfabetização começar na escola.
No caso de crianças diagnosticadas com superdotação (não se sabe se é o caso de Henri), por exemplo, o desafio dos professores será o de continuar desafiando e estimulando o desenvolvimento cognitivo delas, para que não percam o interesse nas aulas.
Segundo o MEC, alunos com altas habilidades têm direito a um atendimento educacional especializado no contraturno escolar, seguindo as diretrizes da educação inclusiva.
LEIA TAMBÉM: Superdotados enfrentam jornada por direito à educação adequada nas escolas

Escândalo do MEC: MP pede retomada de investigação que atinge Bolsonaro e ex-ministro Milton Ribeiro

Uso do ‘onde’, hífen, adjetivos: o que caiu na prova de português do CNU e como resolver
Investigação sobre suposto esquema de propina envolvendo pastores travou após suspeita de interferência de Bolsonaro nas investigações. O presidente Jair Bolsonaro e o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, em imagem de 4 de fevereiro de 2022
Evaristo Sa/AFP/Arquivo
O Ministério Público Federal pediu "celeridade" na retomada de investigação que atinge o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro.
Bolsonaro é investigado por uma suposta interferência nas investigações do escândalo de corrupção no Ministério da Educação que derrubou Ribeiro do comando da pasta.
O ex-ministro chegou a ser detido ao longo das investigações do suposto esquema.
O caso está travado há mais de dois anos após surgirem indícios de suposta interferência de Bolsonaro nas investigações.
Relembre a investigação no vídeo abaixo:
Entenda o que levou à prisão de ex-ministro e ao pedido de CPI do MEC
Parecer cobra novas diligências
A TV Globo teve acesso ao parecer da Procuradoria da República do DF pedindo que a Justiça determine a retomada da investigação.
O MP aponta que não foram realizadas novas diligências, como depoimentos e nem análise de arquivos e extratos obtidos após quebras de sigilo telefônico e bancário dos investigados.
"Considerando que não ocorreram novos andamentos investigativos no presente caso, tendo em vista que os autos ficaram aguardando a decisão do STF quanto à competência para atuar no feito, verifica-se a necessidade de se prosseguir com celeridade à apuração. Assim, o Ministério Público Federal manifesta-se pela remessa imediata dos autos à Polícia Federal para que ela apresente as análises pormenorizadas e conclusões referentes às medidas cautelares acima indicadas, apontando os elementos probatórios que foram obtidos aptos a indicarem a autoria e materialidade delitiva", diz o MP.
Relembre o caso
A suspeita, baseada em uma conversa do ex-ministro Milton Ribeiro com a filha, é que Bolsonaro o teria alertado sobre uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal. A conversa telefônica foi gravada com autorização da Justiça.
A Polícia Federal afirma que dois pastores montaram uma espécie de gabinete paralelo dentro do MEC, liberando verbas públicas em troca de propina. Segundo a PF, Milton Ribeiro sabia e deu aval para o esquema.
A investigação estava em andamento na Justiça Federal do DF, mas como o nome de Bolsonaro apareceu, o caso foi enviado para o Supremo em julho de 2022. Na época, tinha foro privilegiado.
O caso tramitou em sigilo no STF. Em setembro de 2022, a ministra Cármen Lúcia autorizou a investigação de Bolsonaro no STF e a devolução do inquérito do escândalo dos pastores envolvendo Milton Ribeiro para a Justiça Federal do DF. A Procuradoria-Geral da República, sob comando de Augusto Aras, recorreu e defendeu o arquivamento dos fatos envolvendo Bolsonaro. O que arrastou ainda mais a discussão sobre os desdobramentos do caso.
Na época, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou que os elementos não justificavam a abertura de investigação contra Bolsonaro, além de apontar problemas processuais para o uso da interceptação.
Escândalo no MEC: entenda a denúncia de ‘gabinete paralelo’ chefiado por Milton Ribeiro
"Em um senso comum realizado por qualquer cidadão chegaria à conclusão de que em uma investigação em curso, sob os holofotes de grande repercussão midiática, a depender do atual estágio de elementos de informação colhidos, seria passível de evoluir à deflagração de uma operação policial. Tal "pressentimento" e temor eram previsíveis para os investigados, familiares e amigos, assim como tal expectativa, em tese, advinha da pressão de setores da sociedade, de parcela da mídia e de agentes políticos de oposição, alguns inclusive postulando ilegitimamente medidas nos próprios autos. Trata-se de situação cuja perspectiva era dotada de certa previsibilidade".
Lindôra disse ainda que "uma análise técnica, objetiva e jurídica dos diálogos interceptados" dos dados "leva à conclusão de carência de elementos mínimos de informação acerca de qualquer prática delitiva por parte do presidente da República".
A ministra Cármen Lúcia, no entanto, entendeu que não cabia ao Supremo analisar o recurso porque Bolsonaro não foi reeleito e com isso perdeu o foro privilegiado na Corte. Com isso, cabe ao novo juiz analisar o recurso da PGR para arquivar os fatos contra o ex-presidente e também um pedido feito pela defesa do ex-ministro Milton Ribeiro para anular a operação.
Em julho deste ano, a Justiça Federal em Brasília pediu parecer do MP sobre o caso.

Livros na prisão: cumprir a lei que reduz penas por meio da leitura é desafio para sistema penal brasileiro

Uso do ‘onde’, hífen, adjetivos: o que caiu na prova de português do CNU e como resolver
A cada livro lido o preso tem direito a quatro dias a menos em sua pena. O limite por ano é de 12 livros. Com um limite máximo de 48 dias a menos na pena a cada ano. Falta de condições mínimas de dignidade na maioria das prisões do país coloca o recursos dos livros como mecanismo de redução de pena e reintegração social relegado a um plano muito secundário.
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Na semana passada, repercutiu na mídia brasileira a notícia de que a pastora e ex-deputada federal Flordelis, condenada a 50 anos e 28 dias de prisão em regime fechado por participação no homicídio do marido, teve sua pena reduzida em 177 dias por conta da sua participação em cursos e leitura de livros na prisão.
O recurso que beneficiou Flordelis está presente na Lei de Execução Penal desde 2011.O uso desse benefício é uma alternativa eficiente e de baixo custo ao tradicional recurso da remição de pena através das horas trabalhadas, hoje pouco aplicada por conta da falta de recursos e infraestrutura nas prisões. Mas assim como não consegue prover trabalho, nosso sistema penitenciário também ainda está longe de dar aos presos uma estrutura adequada que permita acesso aos livros.
👉🏾 De acordo com o texto da Lei de Execução Penal, a cada livro lido o preso tem direito a quatro dias a menos em sua pena. O limite por ano é de 12 livros. Com um limite máximo de 48 dias a menos na pena a cada ano.
O objetivo desta mudança da lei não era transformar a comunidade carcerária em um círculo de intelectuais e leitores contumazes. Não que isso não fosse possível, mas a ideia central era dar estímulo aos presos e contribuir com seu processo de reintegração à sociedade, permitindo a eles suprir com os livros o que não receberam na escola.
Mas a questão é a grande distância entre o mundo ideal e a realidade quando se fala no tema prisional. Quem conhece as penitenciárias do Brasil sabe das péssimas condições da maioria delas. Fica distante pensar em um mínimo de estrutura que permita um acervo literário à disposição dos presos. Sem contar no grande preconceito que existe na sociedade em dar qualquer direito que seja, tanto a um preso provisório quanto a um condenado.
Tratar a questão da leitura além do foco meramente do sistema prisional envolve muita reflexão. Isso sem considerar que além dos espaços adequados para a leitura ainda existem desafios jurídicos, econômicos e até políticos. Tudo que envolve dignidade e benefícios aos presos é mais demorado. Presos são invisíveis à sociedade e muitos preferem que seja mesmo assim.
No contexto educacional, os dados revelam um abismo. Números do ano passado do Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional mostram que 53% dos presos brasileiros não possuem o Ensino Fundamental completo ou são analfabetos. A leitura para remição de pena está, de alguma forma, envolvida com a própria instituição escolar, ou com a falta dela.
A realização deste censo foi uma entre muitas iniciativas do Programa Fazendo Justiça, uma parceria feita entre o Conselho Nacional de Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Um dos objetivos era mudar pelo menos um pouco o quadro dantesco que em que se encontram muitas das prisões brasileiras.
Os idealizadores do censo se basearam na Constituição brasileira que prevê a educação como um direito fundamental. E também o texto da própria Lei de Execução Penal dá o direito às pessoas privadas de liberdade à educação e cultura. A lei diz que os presos têm direito e acesso a livros e bibliotecas. E que periodicamente um censo fosse feito justamente para apurar as condições dos acervos bibliotecários.
Leis não são cumpridas
Os desafios para garantir que um preso tenha acesso aos livros seguem no campo jurídico. E apesar de a lei ser única, ela é aplicada de forma diferente dependendo de quem são os presos leitores e as regras que cada instituição penal cria para que a lei seja cumprida.
Ou seja, embora a lei permita a possibilidade de remição de pena pela leitura, nem sempre ela ocorre, muitas vezes falta o básico. Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), feita no ano passado, mostra que apenas 11 dos 27 estados brasileiros declaram ter estrutura para implantação de bibliotecas. Com isso, somente 31,5% dos presos, um a cada três presos, conseguem reduzir os dias da pena por meio da leitura.
A peregrinação para se conseguir adequar à lei da leitura não para por aí. Além dos custos para a implementação das bibliotecas uma questão que até hoje não foi resolvida é a criação de um sistema de gestão eficiente para controlar a leitura dos presos.
Como ter a certeza de que ao pegar um livro para ler o preso de fato se dedicou às páginas com atenção? E qual a retenção de conhecimento ao fim do livro? O preso pode escamotear o sistema apenas alegando que leu o livro, mas na prática ele o usou como forma de redução da pena. Difícil, mas não impossível, fazer esse controle. Começando pela vontade política.
Voltando ao básico: nem todas as unidades prisionais do Brasil têm bibliotecas. É preciso fazer projetos, obras, definição de espaço nas unidades. E depois disso a contratação de bibliotecários. O custo não está previsto nos orçamentos das Secretarias de Administração Penitenciária. Antes de criar bibliotecas, os gestores das prisões estão preocupados em evitar fugas, rebeliões, separação de presos por facções.
Em Memórias do Cárcere, Graciliano Ramos descreve a prisão, já naquela época, os anos 1930, com graves e precários problemas de estrutura. Aliás, se hoje um preso tiver a curiosidade de saber como eram as cadeias daquele tempo, a dificuldade será encontrar o livro de Graciliano em alguma estante da biblioteca. Isso se houver biblioteca no presídio.
Audiobooks
Diante das dificuldades já descritas neste texto para se criar estrutura que permita o cumprimento da lei da leitura dos presos, uma alternativa viável poderia vir da tecnologia. Afinal, em pleno século 21 e com a Inteligência Artificial assustando o planeta, como não criar uma solução que resolvesse todos esses impasses?
Ela poderia estar nos ouvidos, em vez de nos olhos. No lugar de livros, audiobooks. Além de não ocupar espaço físico, os livros seriam de acesso para presos analfabetos. Até mesmo sem saber ler um preso poderia ouvir os arquivos de áudio.
Se considerar que uma biblioteca digital possui mais de 50 mil livros disponíveis, ler com tablets ou ouvir com audiobooks poderia facilitar o acesso dos presos. Mas como essa universalização será viável se há limitação do acervo bibliográfico e poucos são até mesmo os livros de papel nas unidades prisionais do país? Como isso será possível se muitas prisões brasileiras nem sequer bibliotecas têm, não há bibliotecários, nem acervo suficiente?
Diante de todos estes problemas a constatação: as políticas públicas brasileiras para a leitura constam apenas na letra fria da lei. Na prática, muito pouco se fez para os presos. Fato é que se o sistema educacional brasileiro fosse eficiente para dar uma educação de qualidade para as crianças e jovens seria plausível pensar que o Brasil não seria o terceiro do mundo em população carcerária.
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal concluiu que as condições carcerárias do Brasil violam direitos fundamentais dos presos e reconheceu o chamado “estado de coisas inconstitucional” em relação ao sistema carcerário nacional. Os ministros da mais alta corte do Brasil concluíram que as condições em que os presos são submetidos na cadeia são desumanas.
O próprio Estado faz o mea culpa, e reconhece como estão os presos custodiados no país. E, como consequência, o ambiente precário do sistema penitenciário retroalimenta a criminalidade.
Torna-se urgente adotar medidas para melhorar o sistema prisional do Brasil. Por um lado, assegura-se a necessidade e a dignidade dos presos. Por outro ganha a sociedade que ao ter um egresso do sistema recuperado ela volta a ter um cidadão que trabalha, produz e cumpre suas obrigações. A leitura no cárcere é ferramenta que pode contribuir com uma vida melhor no intramuros da prisão e, no futuro, fora deles, no convívio com a sociedade. Sim, a saída pode ser pela leitura.
*Rossaly Beatriz Chioquetta Lorenset é professora e pesquisadora da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
**Este texto foi publicado originalmente no site do The Conversation Brasil.
VÍDEOS DE EDUCAÇÃO

Uso do ‘onde’, hífen, adjetivos: o que caiu na prova de português do CNU e como resolver

Uso do ‘onde’, hífen, adjetivos: o que caiu na prova de português do CNU e como resolver
Para professores, os assuntos cobrados e o nível de dificuldade das questões estavam dentro do que era esperado para uma prova elaborada pela Fundação Cesgranrio. Enem dos Concursos: correção da questão sobre ciências e tecnologia (Ensino Médio)
O Concurso Nacional Unificado (CNU) contou com uma prova de língua portuguesa para os candidatos a vagas que exigem somente ensino médio. Os participantes de nível superior fizeram avaliações diferentes.
Veja os GABARITOS OFICIAIS
Baixe os CADERNOS DE PROVA
Para professores especializados na área, os assuntos cobrados e o nível de dificuldade das questões de português estavam dentro do que era esperado para uma prova elaborada pela Fundação Cesgranrio, apesar de essa ter sido a primeira edição do chamado "Enem dos concursos".
"A gente nunca vai dizer que uma prova foi fácil, mas premiou quem estudou no perfil da banca", diz o professor Felipe Luccas, do Estratégia Concursos.
Ao todo, foram 15 questões de múltipla escolha de língua portuguesa, sendo seis relacionadas a um artigo do Ipea sobre ciência e tecnologia, e que cobravam interpretação textual. As outras nove foram perguntas sobre gramática.
No vídeo acima, a professora Adriana Figueiredo, também do Estratégia, explicou como fazer uma leitura aprofundada do texto para compreender, além do conteúdo, a forma como as ideias foram organizadas no artigo.
Na parte de gramática, a banca cobrou conhecimentos sobre hífen, adjetivos, concordância, prefixo e o uso do correto "onde", entre outros assuntos. Veja nos vídeos abaixo a correção das principais questões.
⌛ TEMPO CURTO? – Essa parte do exame foi aplicada no período da manhã. Os participantes, de nível médio, tiveram 2h30 para responder as 15 questões e escrever uma redação, entre 25 e 30 linhas.
Por isso, além de estudar o conteúdo, o candidato precisava treinar a gestão do tempo durante o preparo para o exame, explicam os professores.
À tarde, o concurso continuou, com mais 45 questões de múltipla escolha de matemática, noções de direito e realidade brasileira, que deveriam ser respondidas em até 3 horas.
Correção da prova de português do CNU
O modelo de prova utilizado para corrigir as questões foi o "gabarito 1". Assim, dependendo do caderno que o candidato pegou no momento do exame, a ordem das questões e das alternativas estarão diferentes.
INTERPRETAÇÃO DE TEXTO
Questão sobre recurso argumentativo / resposta: C
'Enem dos concursos': professores fazem correção de questão sobre recurso argumentativo (Ensino Médio)
Reprodução/g1
Enem dos concursos: correção da questão sobre recurso argumentativo (ensino médio)
Questão sobre organização temática do texto / resposta: B
'Enem dos concursos': professores fazem correção de questão sobre organização temática do texto (Ensino Médio)
Reprodução/g1
Enem dos concursos: correção da questão sobre organização temática do texto (ensino médio)
Questão sobre termo referente no texto / resposta: E
Questão do CNU sobre termo referente no texto (ensino médio)
g1/Reprodução
Enem dos concursos: correção da questão sobre termo referente no texto (ensino médio)
GRAMÁTICA
Questão sobre adjetivos / resposta: E
'Enem dos concursos': professores fazem correção de questão sobre adjetivo no texto (Ensino Médio)
Reprodução/g1
Enem dos concursos: correção da questão sobre adjetivo no texto prova do (ensino médio)
Questão sobre concordância / Resposta: A
Questão do CNU sobre concordância (ensino médio)
g1/Reprodução
Enem dos concursos: correção da questão sobre concordância (ensino médio)
Questão sobre hífen / resposta: B
Questão do CNU sobre hífen (ensino médio)
g1/Reprodução
Enem dos concursos: correção da questão sobre hífen no texto prova do (ensino médio)
Questão sobre "portanto" / resposta: C
Questão do CNU sobre "portanto" (ensino médio)
g1/Reprodução
Enem dos concursos: correção da questão sobre portanto (ensino médio)
Questão sobre concordância nominal / resposta: A
Questão do CNU sobre concordância nominal (ensino médio)
Reprodução/g1
Enem dos concursos: correção da questão sobre concordância nominal (ensino médio)
Questão sobre prefixo / resposta: B
'Enem dos concursos': professores fazem correção de questão sobre prefixo no texto (Ensino Médio)
reprodução/g1
Enem dos concursos: correção da questão sobre prefixo (ensino médio)
Questão sobre o uso do "onde" / resposta: B
Questão do CNU sobre o uso do "onde" (ensino médio)
g1/Reprodução
Enem dos concursos: correção da questão sobre norma-padrão (ensino médio)