Cientistas detectam planetas com a mesma densidade do algodão doce

Como a Ciência explica que nunca esquecemos de algumas músicas
Planetas têm o tamanho comparável ao de Júpiter, o maior do nosso sistema solar. Ilustração comparando os tamanhos dos 3 planetas fofos (acima) com o tamanho dos planetas do Sistema Solar (abaixo) (NASA/ESA/Hulstak/Olmsted/Player/Summers).
NASA/ESA/Hulstak/Olmsted/Player/Summers
Sabe aquela frase: "eu já vi de tudo nessa vida"? Certamente ela não se aplica ao universo. Quando os astrônomos achavam que já tinham visto de tudo em termos de exoplanetas, eis que surgiu uma classe inteiramente nova: os planetas superfofos!
Em 2012, o telescópio espacial Kepler observou a estrela Kepler 51, um sistema planetário com uma estrela do tipo solar. Sabia-se desde essa observação, que os 3 planetas desse sistema eram extremamente inchados, ou seja, suas dimensões eram da ordem do tamanho de Júpiter.
Dois anos depois, em 2014, uma equipe de astrônomos norte-americanos e holandeses resolveu dar uma olhada mais criteriosa no sistema, a fim de caracterizar melhor seus planetas. Para fazer isso, a aluna de doutorado da Universidade do Colorado Jessica Libby-Roberts usou o telescópio espacial Hubble para observar o sistema em quatro ocasiões. A ideia era observar os trânsitos dos 3 planetas, ou seja, medir a variação do brilho da estrela quando um deles passa na frente dela.
Com a análise precisa dos tempos dos trânsitos e também da própria variação da luz da estrela, o time de pesquisadores conseguiu estabelecer não só o tamanho aproximado dos planetas, como também suas massas. Com o tamanho e com a massa, eles obtiveram a densidade dos planetas e com ela uma ideia de sua composição, de acordo com os modelos. Quando essa técnica foi aplicada aos planetas de Kepler 51, o resultado foi surpreendente: a densidade dos planetas correspondia à densidade do algodão doce!
Ilustração mostra o sistema planetário de Kepler 51
NASA/ESA/Hulstak/Olmsted/Player/Summers
Isso mesmo, de acordo com Libby-Roberts, os planetas têm o tamanho comparável ao nosso Júpiter, mas têm a massa equivalente a algumas vezes a massa da Terra. Com isso, sua densidade é baixíssima, comparável à densidade de um algodão doce de parques de diversão!
De acordo com os resultados publicados mês passado, a explicação para isso é simples e se baseia na idade do sistema. Kepler 51 e seus 3 planetas são muito jovens, têm em torno de meio bilhão de anos. Os três planetas fofos ainda estão em processo de formação e suas atmosferas ainda estão, digamos, se assentando. Eles já têm um núcleo rochoso com várias vezes a massa da Terra, o que significa que no próximo meio bilhão de anos, os três devem se transformar em mini Netunos, uma classe de exoplanetas razoavelmente comum na galáxia.
Com os três planetas de Kepler 51, o total de exoplanetas como esses conhecidos chegou a 15, que em comparação aos mais de 4 mil exoplanetas conhecidos na nossa galáxia é muito pouco. Esse fato permite concluir que a formação de planetas, mesmo os maiores, é um processo relativamente rápido e planetas do tipo algodão doce não duram muito.

Buraco negro da Via Láctea tem bolhas de gás que um dia já foram estrelas; entenda

Como a Ciência explica que nunca esquecemos de algumas músicas
Bolhas orbitam o buraco negro da galáxia. Descoberta foi publicada em artigo no início da janeiro. Impressão artística das bolhas de gás que se comportam como estrelas no centro da Via Láctea
Jack Ciurlo
No centro da nossa galáxia, a Via Láctea, existe um buraco negro supermassivo com a massa equivalente a 4 milhões de sóis. Esse fato parece ser a regra no universo, todas as galáxias devem abrigar um buraco negro supermassivo no seu centro. Algumas galáxias aparentemente possuem até mais de um buraco negro, sugerindo que no passado tenha havido uma colisão entre duas galáxias. O estranho, no caso da Via Láctea, é que ele não é tão massivo quanto nas outras galáxias.
Astrônomos apresentam a primeira imagem de um buraco negro já registrada
Além de ser um caso de buraco negro supermassivo, nem tão super assim, o buraco negro central de nossa galáxia é bastante pacífico. Diferente da maioria dos outros casos, o "Sgr A*", como o buraco negro no centro da Via Láctea é chamado, permanece adormecido a maior parte do tempo. Isso é um indicativo que não há muito material para ser engolido, pois somente nesses momentos ele pode ser detectado através da radiação emitida pela matéria ao ser engolida.
Mas isso nunca foi motivo para não ser estudado. Aliás, muito pelo contrário!
Há mais de 20 anos que vários grupos de astrônomos em diversas instituições de pesquisa pelo mundo estudam o buraco negro, se beneficiando da melhoria das técnicas de pesquisa ao longo desse tempo.
Com o desenvolvimento de telescópios capazes de observar no infravermelho e com a melhoria das técnicas que suprimem os efeitos da turbulência atmosférica foi possível monitorar o movimento das estrelas no centro da galáxia. Com duas décadas de observações precisas, foi possível estabelecer as órbitas dessas estrelas em torno do buraco negro central. Como a física por trás do movimento orbital de astros já é conhecida há mais de um século, foi possível determinar a massa do buraco negro.
Esse monitoramento todo, agora, revelou acompanhantes misteriosos para "Sgr A*".
Órbitas das estrelas/bolhas de gás ao redor do buraco negro central da Via Láctea
Anna Ciurlo, Tuan Do/UCLA Galactic Center Group
Anna Ciurlo, pesquisadora do grupo de estudos do centro galáctico da Universidade da Califórnia, publicou um trabalho no início de janeiro em que ela e seus colaboradores relatam a descoberta de 4 objetos intrigantes. Esses objetos se juntam a outros 2 conhecidos há quase 10 anos e que ninguém entendia direito o que poderiam ser.
Esses objetos orbitam o buraco negro com períodos entre 100 e 1 mil anos. Durante alguns momentos de suas órbitas, os objetos se comportam como estrelas, em outros, os objetos se comportam como bolhas de gás.
De acordo com as conclusões do grupo de Ciurlo, os objetos são de fato bolhas de gás, mas já foram estrelas em algum momento de suas vidas. Mais ainda, eram todas estrelas duplas, ou seja, duas estrelas orbitando uma à outra, e as duas orbitando o buraco negro central. A influência gravitacional de "Sgr A*" teria desfeito os pares de estrelas, fazendo-as colapsar uma sobre a outra tornando-se uma verdadeira bolha de gás.
Essa bolha, no entanto, ainda ocuparia a órbita original do par, o que daria a elas o aspecto de mais uma estrela comum no centro da galáxia. Todavia, ao se aproximarem do buraco negro, as bolhas sofrem a forte ação das forças de maré e se deformam, como toda boa nuvem de gás faz. Depois elas retornam ao estado mais ou menos esférico.
Foi exatamente isso o que o time da Universidade da Califórnia deduziu das imagens de alta resolução obtidas nos melhores telescópios do Terra, como os que estão no alto do vulcão Mauna Kea no Havaí. E mais, durante um período em que um desses objetos se aproximava do buraco negro (e que estava mais espichado) o próprio buraco negro acordou repentinamente, mostrando alguma atividade, para logo depois voltar a ficar dormente. É muito provável que durante esse período uma parte da bolha tenha se rasgado e acabou alimentando o buraco negro.
O centro da Via Láctea é um lugar muito interessante, com objetos bastante peculiares. "Temos objetos que se parecem com estrelas, mas se comportam como gás", resumiu bem Artur Levine, o diretor do centro de estudos do centro galáxia da universidade.
VÍDEOS SOBRE BURACOS NEGROS
Astrônomos observaram pela primeira vez o 'café da manhã' de um buraco negro
Primeira imagem de um buraco negro encanta cientistas

Pesquisadores holandeses usam inteligência artificial para prever o comportamento de asteroides

Como a Ciência explica que nunca esquecemos de algumas músicas
Nenhum asteroide observado pelos cientistas deve colidir com a Terra nos próximos 900 anos. Representação artística do impacto do asteroide que causou o evento K-T
Nasa
Há mais ou menos 60 ou 70 milhões de anos a Terra foi atingida por um asteroide de tamanho entre 10 a 15 km. O impacto foi tão violento que causou terremotos e mega tsunamis pelo mundo todo, além de incêndios florestais em escala global. Se não bastasse isso, a poeira levantada no impacto, a fumaça e as cinzas dos incêndios cobriram boa parte da superfície da Terra. Isso causou uma queda brusca na temperatura global que trouxe como consequência a extinção de 75% das espécies no planeta. O período de extinção em massa levou junto os dinossauros e muitos outros répteis que dependem do calor do Sol para sobreviver e o evento foi batizado de extinção K-Pg ou extinção K-T.
Como a Nasa se prepara para um eventual impacto de asteroide na Terra
Já em tempos mais modernos vários eventos intensos foram registrados, como o impacto de Tunguska na Sibéria em 1908, mas nenhum com tanta intensidade quanto ao K-T. Estatisticamente, espera-se que a cada 100 anos a Terra seja atingida por um asteroide de 100 metros de extensão, como deve ter sido o de Tunsguska que, apesar de ter derrubado por volta de 80 milhões de árvores devastando uma área de 2.100 quilômetros quadrados, não tinha o potencial de dizimar espécies. Claro que poderia ter sido uma tragédia gigantesca se tivesse caído sobre uma cidade como Londres ou Paris, mas em termos de sobrevivência das espécies, o impacto de um asteroide dessas dimensões não causa mal algum. Então, o problema é com os asteroides maiores, com mais de 10 km de extensão, como estima-se que era o tamanho do objeto que causo o evento K-T.
Desde meados de 1960, a preocupação que um evento dessa magnitude se repita, fez com que iniciativas de monitoramento dos céus em busca de asteroides que possam trazer algum risco saíssem do papel. Hoje em dia, uma rede de observatórios dedicada a procurar objetos potencialmente perigosos (PHA, em inglês) fica em operação constante 24 horas por dia. Quando termina as observações nas Américas, por exemplo, os telescópios sediados no Havaí estão começando seu turno.
Como fruto desse trabalho, hoje sabemos que existem 2018 PHAs, uma classe de objetos com pelo menos 100 metros de extensão e que cheguem a uma distância menor que 7,5 milhões de quilômetros. Todos esses 2018 asteroides têm seus elementos orbitais conhecidos e as simulações mostram que nos próximos 50 anos o risco de impacto com algum deles é zero.
Então quer dizer que daqui a 51 anos a Terra corre risco de ser atingida por algum deles?
Não, significa que as simulações conseguem prever o comportamento desses objetos com confiabilidade dentro de uma janela de 50 anos. Isso porque essas simulações incluem efeitos da gravidade de muitos corpos do Sistema Solar simultaneamente. Com períodos mais longos, as incertezas nas simulações vão se acumulando e a previsão não tem o mesmo grau de confiabilidade. Por esse motivo os astrônomos observam os PHAs durante o máximo de tempo que conseguem para melhorar os parâmetros de suas órbitas. Além disso, os programas que simulam suas órbitas são continuamente melhorados para minimizar as incertezas nos resultados.
Representação artística de asteroide potencialmente perigosos
Nasa
E é nessa frente que temos novidades.
Um grupo de astrônomos da Universidade de Leiden na Holanda resolveu usar redes neurais artificiais, uma técnica que primeiro "ensina" os computadores a identificar determinados padrões em conjuntos de dados de aprendizagem, para depois rodar os programas em bancos de dados de pesquisa.
Os pesquisadores holandeses simularam órbitas de asteroides artificiais da classe de PHAs viajando pelo Sistema Solar para "ensinar" as redes neurais a identificar casos parecidos. Depois disso, usaram um banco de dados de asteroides reais e deixaram os computadores analisarem.
Árvores derrubadas pelo evento de Tunguska em 1908, registro é de 1927
Leonid Kulik
Os resultados iniciais são tranquilizadores: dos asteroides usados na pesquisa, nenhum deve colidir com a Terra nos próximos 900 anos! Além disso, as simulações mostraram que 11 asteroides que não são classificados como potencialmente perigosos hoje, passam a integrar a categoria a partir do ano 2131. Entre 2131 e 2923, esses 11 objetos devem chegar a um pouco de menos de 4 milhões de quilômetros da Terra. Isso os caracteriza como PHA, mas nenhum deles representa perigo maior que esse.
Além de tranquilizar quem acha que não se pode confiar nas previsões de longo prazo, as redes neurais artificiais se mostraram bem confiáveis para mostrar que alguns asteroides podem mudar suas órbitas por causa das interações com outros corpos do Sistema Solar e se tornarem perigosos. Mais do que isso, permitiu prever suas órbitas após tantas perturbações. Isso vai ajudar no monitoramento dos céus, pois vai incluir objetos que são considerados inofensivos. O próximo passo é rodar os programas com a base de dados completa.
VÍDEO
A Rede Nacional de Alerta de Asteroides (IAWN, na sigla em inglês) calculou que no dia 29 de abril de 2027 existe 10% de chance de um asteroide atingir a Terra de forma devastadora. O Estúdio I debateu o tema em um programa de maio de 2019. Confira:
Astrônomos treinam para defender a Terra da queda de grande asteroide

Universitária cria absorvente biodegradável feito com fibra de banana para moradoras de rua

A ideia de Rafaella de Bona Gonçalves rendeu o prêmio alemão "iF Design Talent Award" de 2019. Universitária cria absorvente sustentável para moradoras de rua
Em 2019, a universitária Rafaella de Bona Gonçalves participou de um curso sobre soluções para problemas sociais existentes ao redor do mundo. Cada participante deveria escolher um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, ONU, e criar uma solução para se alcançar tal objetivo.
“Decidi escolher o primeiro deles, que é a erradicação da pobreza, acabar com a pobreza em todos os lugares e de todas as formas”, conta Gonçalves, que é aluna do curso de design de produto da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ao pensar nos tipos de pobreza, a universitária escolheu focar na população sem teto. “Foi então que me deparei com os problemas das mulheres em situação de rua.”
Projeto propõe disponibilização de absorvente para alunas em escolas públicas de MT
“Elas têm necessidades diferentes [dos homens], por exemplo, elas ficam grávidas nas ruas, sofrem abuso sexual e menstruam. Isso foi um choque para mim, porque eu, como mulher, que menstrua todos os meses, nunca tinha parado para pensar em como elas passam por esse período”, explica.
Rafaella começou a pesquisar a situação e descobriu que é comum moradoras de rua improvisarem absorventes. “Elas acabam usando pedaço de tecido, pedaço de papelão e sacolas plásticas.”
Desenvolver absorventes biodegradáveis na forma de copo coletor ou de calcinhas absorventes não eram uma opção porque as moradoras de rua não costumam ter acesso a banheiro nem água potável, não tendo como higienizar esses produtos. “Muitas delas também não possuem roupas íntimas, então não poderia ser um absorvente externo.”
Estudantes de Campinas criam absorvente biodegradável com gel à base de amido e bucha vegetal
A solução foi desenvolver um absorvente interno produzido com fibra de banana, que é um material biodegradável. O absorvente vem no formato de um rolo, semelhante a um papel higiênico. A própria mulher destaca uma parte e a enrola, formando um absorvente interno.
A ideia de Gonçalves rendeu o prêmio alemão "iF Design Talent Award" de 2019, o único projeto brasileiro a ganhar a premiação no ano passado.

Como a Ciência explica que nunca esquecemos de algumas músicas

Como a Ciência explica que nunca esquecemos de algumas músicas
A música tem um alto componente emocional em nossa vida, que está relacionado até mesmo ao modo como nossos pais falam conosco quando somos bebês e que perdura mesmo quando uma doença degenerativa nos ataca. Canções nos fazem evocar memórias ou momentos especiais
Getty Images via BBC
Para ter memória, o mundo criou a música. No início das civilizações, os principais saberes de diferentes culturas eram passados ​​de geração em geração através da tradição oral. E essa tradição oral dependia da memória.
"Antes que as narrativas pudessem ser escritas, elas eram recitadas ou cantadas", diz David C. Rubin, professor de Psicologia da Universidade Duke, no livro Memory in Oral Tradition (Memória em tradição oral, em tradução livre).
É por isso que textos como A Ilíada, a Odisseia e outros grandes épicos antigos foram transmitidos pela primeira vez na forma de versos.
Então, a música ocupou esse mesmo espaço. As canções nos levam a um lugar, um momento.
Não sabemos ainda muito bem o porquê, mas a música é uma das poucas armas que os terapeutas têm para lidar com o avanço do mal de Alzheimer, a forma mais comum de demência em idosos.
Mas como a música tem esse efeito na memória? Por que nunca esquecemos de nossas músicas favoritas?
"A música tem a capacidade dupla de criar e recuperar memórias dentro do cérebro humano", diz a psicóloga Lucía Amoruso, pesquisadora da Universidade de Buenos Aires na Argentina, que investiga aspectos do comportamento e da música.
"Quando as pessoas sofrem de demência senil ou Alzheimer, em muitos casos, a música é a única chave que lhes resta para desbloquear essas memórias."
Música materna
Os pais têm um papel importante na criação de uma memória musical
Getty Images via BBC
Embora existam muitas teorias, não existe uma definitiva sobre quando a música apareceu na vida do ser humano.
De todas as hipóteses, incluindo a que indica que se pretendia imitar o "canto" dos animais, há uma surpreendente: a que sugere que foi a forma que as mães encontraram para acalmar seus filhos.
"Em tempos pré-históricos, as mães tinham que se afastar de seus bebês em intervalos regulares para ter as mãos livres para outras atividades e usavam uma forma de falar como bebês, um 'tom maternal', para tranquilizá-los", explica Dean Falk, antropólogo da Universidade da Flórida no livro How Humans Achieved their Words (Como humanos conquistaram suas palavras, em tradução livre).
A tonalidade, aquela musicalidade com que nossas mães falam conosco especialmente quando somos bebês, abre nossos primeiros canais em nossa memória.
"Várias análises indicaram que o cérebro dos bebês tem a capacidade de responder à melodia muito antes que a comunicação possa ser estabelecida por meio de palavras", diz Amoruso.
"A música, de alguma forma, nos ajuda a criar nosso primeiro vínculo social, que é com nossos pais. E isso será replicado em nossos outros laços sociais no futuro e, claro, com a música."
Então, quando crescemos com essa programação, toda vez que ouvimos uma melodia, um processo impressionante ocorre em nosso cérebro: em vez de ativar uma área ou região, várias são ativadas.
"A primeira coisa que ocorre no cérebro quando ouvimos música é que nosso centro de prazer é ativado e libera dopamina, que é basicamente um neurotransmissor que nos deixa felizes", explica Robert Zatorre, que é músico, psicólogo e fundador do Centro de Pesquisa do Cérebro, Música e Som, no Canadá.
Normalmente, as músicas que memorizamos ficam no lobo frontal, onde está localizada nossa "discoteca" mental.
"No entanto, embora pareça que a música simplesmente nos dá prazer e o guardamos na memória, a verdade é que muito mais coisas acontecem em nossas cabeças", diz Zatorre.
Desde pequenos, nós temos uma forte ligação com a música
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O cérebro, para começar, compara a melodia que está ouvindo com aquela gravada em sua cabeça, o que nos permite reconhecer uma música simplesmente ouvindo suas primeiras notas.
"E outro processo que ocorre é que o cérebro deve separar a música do ruído externo. Esse processo também é bastante complexo, porque devemos iniciar vários processos cognitivos", explica Zatorre.
Músicas favoritas
Mas o que acontece quando uma música não só transmite prazer, mas também emoções (que podem até ser tristes) e desperta sentimentos?
Recentemente, por ocasião do Dia Mundial da Luta contra a Doença de Alzheimer, perguntamos aos leitores sobre as canções que pensavam que nunca iriam esquecer.
E embora muitas delas estivessem relacionadas ao amor, a verdade é que a maioria era determinada por um momento preciso da vida: o nascimento de um filho, a primeira viagem ao exterior, a morte de um amigo, a libertação da prisão.
Na ciência, essa correlação também é explicada pela conexão das melodias com a memória.
"Existem vários sistemas de memória: episódica, temporal, semântica, de curto prazo, de longo prazo", enumera Amoruso.
A música está relacionada ao prazer, mas também está ligada às emoções
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Assim como uma música pode fazer parte de um momento específico, como uma viagem inesquecível, o momento em que nos apaixonamos por alguém, uma conquista importante, o artista que interpreta a música ou a letra da música também desempenha um papel importante.
"Uma viagem, um momento, fazem parte da memória episódica, mas acontece que a música é interpretada por um artista que conhecemos bem, suas características, história… Aí também se ativa a memória semântica", afirma o especialista.
"Para ser armazenada em nosso cérebro, a música depende de todos esses sistemas de memória", acrescenta.
'Toque de novo'
Para Zatorre, além desse processo, com a música, também existe um fenômeno associado à repetição.
"O que acontece quando gostamos muito de uma música? Nós a repetimos", diz ele.
"E não apenas por um breve período. Por exemplo, uma música que nos marcou quando tínhamos 15 anos, podemos ouvi-la muitas vezes pelo resto de nossas vidas. Ela acaba gravada na nossa memória de forma excepcional", explica Zatorre.
"Algo que não acontece da mesma forma com outras coisas que nos dão prazer: comer nossa comida favorita ou visitar nosso lugar preferido", completa.
E aí vem outro fator: a música não só cria memórias e evoca emoções, mas também condiciona nosso comportamento e nossas memórias.
Um dos principais estudos de Amoruso examinou como, por meio da música, as pessoas podem antecipar o comportamento dos outros.
Em sua pesquisa, intitulada "O tempo do tango: experiência e antecipação contextual durante a observação da ação", a neurologista destaca que as pessoas estudadas que ouviam tango há muitos anos (e também o dançavam) podiam antecipar, em apenas milissegundos, o erros que quem nunca tinha ouvido a famosa melodia argentina ia cometer ao dançar pela primeira vez.
"O que os resultados deste estudo mostram é que as reações no cérebro que permitiram antecipar esse erro foram inteiramente devidas à experiência de quem ouvia e dançava tango há muitos anos", explica.
Miguel Nicolelis fala sobre bailarina com Alzheimer que despertou com a música
Até o último suspiro
Recentemente, viralizou um vídeo de uma idosa sentada em uma cadeira, que depois que alguém a fez ouvir a famosa peça de balé O Lago dos Cisnes, de Pyotr Ilyich Tchaikovsky, parece começar a dançar.
Em sua cadeira de rodas, com os olhos fechados, como se evocassem uma luz, realiza movimentos de balé com as mãos, quase como se estivesse diante de um auditório lotado.
Mas a verdade é que ela estava em uma casa de repouso. Seu nome era Marta González, e ela sofria de Alzheimer (faleceu em 2019, logo após a gravação do vídeo). Mas ela havia estudado balé em Cuba e não havia esquecido aqueles belos movimentos do Lago dos Cisnes, apesar do avanço da doença. E eles foram ativados ao ouvir música.
Nem todos os pacientes que têm Alzheimer reagem da mesma forma à música
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Como isso pode acontecer, se um dos locais mais afetados pelo Alzheimer é o lobo frontal?
"É algo que ainda não podemos responder de forma conclusiva. O que poderíamos afirmar é que a música é a chave para muitas memórias que ainda estão na nossa memória, apesar de sofrermos de uma doença degenerativa", explica Amoruso.
No entanto, nem qualquer música pode ser usada para tratar pessoas afetadas por demência senil ou Alzheimer.
"Não se pode dizer com certeza que a música é a última coisa que esquecemos. Muitos pacientes com Alzheimer não reagem aos tratamentos com música", diz Zatorre.
Mas o especialista aponta uma diferença: quando a música para o tratamento é escolhida pelo paciente é quando há os melhores resultados.
"O vínculo com a música e a memória tem um alto grau emocional. Muitos desses pacientes acessam essas memórias graças à música. Na verdade, às vezes, é o último recurso para acessar essas memórias", nota Amoruso.
Para Zatorre e Amoruso, a música também tem sido um elemento fundamental para lidar com o confinamento. E talvez seja assim que nos lembramos de 2020 e do contexto da pandemia do coronavírus.
"Muitos dos pacientes que tratei me confessaram que nem sexo, nem comida, nem bebida alcoólica ajudaram muito a lidar com o confinamento e as circunstâncias que nos levaram a viver a pandemia", disse Zatorre .
"A maioria indica que a música tem sido sua maior aliada. Que essa tem sido uma forma de aguentar o que está acontecendo. E tenho certeza que muitas memórias foram criadas a partir dessa combinação."
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