Experiências como ver um picolé derreter podem ensinar alguma coisa sobre ciências?

Filósofos africanos consideram que a palavra ‘África’ é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado
Neste artigo, o professor da Universidade de Strathclyde discute a importância das experiências práticas no processo de aprendizagem. Se quisermos que os alunos desenvolvam seu conhecimento de ciências e sejam capazes de usá-lo no futuro, é fundamental que o foco esteja em estratégias que desenvolvam uma compreensão profunda dos conceitos e de como eles são estruturados, em vez de depender de artifícios ou experiências pontuais.
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Um grupo de cientistas, incluindo integrantes da Royal Society of Chemistry (sociedade científica do Reino Unido), propôs, recentemente, que experiências como lamber um picolé deveriam fazer parte do currículo de ciências. Ao saboreá-lo e, simultaneamente, ver como ele derrete – diz a proposta – as crianças aprenderiam melhor sobre o derretimento e, portanto, sobre química e física.
Mas será que essa experiência, ou outras como modelar massa, brincar com sombras ou cavar no solo, realmente ajuda os alunos a aprender ciências?
A utilização de exemplos e demonstrações em sala de aula pode ser uma porta de entrada útil para uma compreensão mais profunda, mas não é um atalho para o conhecimento.
A ideia de aprender por meio de vivências tem uma longa história. Talvez esteja mais intimamente associada ao trabalho do educador John Dewey no início do século XX. Dewey, e outros educadores da época, estavam preocupados com o fato de que a ênfase na aprendizagem mecânica levaria ao “conhecimento inerte”: fatos que os alunos não conseguiriam aplicar ao mundo real.
Uma experiência como lamber um pirulito pode, no mínimo, ser memorável, especialmente se você nunca tiver feito isso antes. Chupar um picolé ou vê-lo derreter na sala de aula levaria ao que os psicólogos chamam de memória episódica: uma lembrança de um evento em sua vida.
Experiência e compreensão
Entretanto, há uma diferença entre ter lembranças e ter conhecimento. Há distância enorme, por exemplo, entre ter vivenciado a Revolução Francesa e saber o que aconteceu.
Esse último envolve um tipo diferente de memória – as semânticas. Elas se baseiam na compreensão de como as coisas funcionam e o que significam. É o tipo de memória que está em jogo quando você usa uma palavra como “pesado”, sem conexão com um objeto de peso específico. Esses entendimentos são essenciais tanto para o aprendizado científico quanto para o uso da linguagem.
Se você parar para pensar, a maior parte do seu conhecimento não pode ser claramente vinculada a uma experiência determinada. O aprendizado, geralmente, não é um processo único – pense na quantidade de diferentes situações que um jardineiro precisa ter vivido antes de “saber” como as plantas crescem e se desenvolvem.
Essas memórias semânticas derivam de um amálgama de muitas práticas e, às vezes, da comparação e do contraste de coisas diferentes: como entre dois tipos de plantas ou entre um picolé e um sorvete.
Aprender sobre derretimento é semelhante. Não demonstramos o fato apenas uma vez e, bum!, os alunos aprenderam.
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Importância do contexto
Compreender a ciência ou qualquer outra coisa também não se trata apenas de lembrar eventos. Os alunos precisam entender o encontro, ter sua atenção direcionada para processos semelhantes e diferentes e conhecer múltiplos exemplos.
Para tirar o máximo proveito disso, os estudantes necessitam de conhecimento prévio suficiente sobre o que está acontecendo quando observam algo em sala de aula. Esse é um dos motivos pelos quais deixar que os alunos descubram as coisas sozinhos é uma estratégia falha.
Esse também é outro motivo pelo qual confiar em experiências pontuais não funciona. Os alunos precisam revisitar as ideias periodicamente, cada vez trazendo mais informação e compreensão para a mesa.
Sem um entendimento básico da ciência, há o risco de o aluno não conseguir conectar uma observação em sala de aula ao seu contexto mais amplo. Saber sobre o derretimento, por exemplo, é muito mais do que saber que um picolé derrete – envolve entender porque e em que circunstâncias isso acontece. Também inclui levar em conta que outras substâncias cotidianas derretem em temperaturas mais altas.
Isso é importante para impedir que se tenha concepções científicas errôneas. No exemplo do picolé, os alunos podem generalizar demais as características da superfície, como a rapidez com que ele derrete ou o quanto é pegajoso, e entendê-las como características do derretimento em geral.
Em resumo, aprender sobre a ciência, ou qualquer outra coisa, não é apenas lembrar-se de eventos vividos. Trata-se de ampliar o entendimento: a que experiência ele está ligado, de que categoria é um exemplo e como difere de outros conceitos.
Aprendizado pessoal
Outra afirmação notável na história do picolé foi a sugestão de que é importante promover o aprendizado “em nível pessoal”. Há pesquisas sobre isso também.
Imagine que lhe pediram para lembrar uma lista de palavras aleatórias, como “música, brócolis, dança, garrafas plásticas, tubarões bebês”.
Um estudo sobre a memória descobriu que as pessoas se lembravam melhor de palavras de listas como essa, se lhes fosse perguntado “você gosta disso?” em comparação com uma pergunta mais simples, de processamento de informações, como “a palavra contém a letra ‘e’?” Também nos lembramos melhor de nossas próprias posses (ou seja, o que possuímos) do que de objetos genéricos.
Portanto, sim, há algumas evidências de que podemos reter melhor as experiências se estivermos pessoalmente envolvidos nelas. Entretanto, vale a pena observar que esses experimentos são de curto prazo. E na vida cotidiana, podemos realmente gostar e nos envolver diretamente com algo, como um livro ou uma conversa, mas esquecer os detalhes em algumas semanas ou meses.
Em parte, é por isso que as pessoas escrevem diários. As lembranças de nossas vidas são efêmeras e se perdem facilmente com o tempo. Às vezes, essas memórias são distorcidas ou até mesmo inteiramente imaginadas – falsas memórias. É arriscado basear o aprendizado de ciências nesse tipo de memória.
Se quisermos que os alunos desenvolvam seu conhecimento de ciências e sejam capazes de usá-lo no futuro, é fundamental que o foco esteja em estratégias que desenvolvam uma compreensão profunda dos conceitos e de como eles são estruturados, em vez de depender de artifícios ou experiências pontuais.
Tudo isso sem falar na praticidade de armazenar um picolé para cada aluno da escola, distribuí-lo em sala de aula ou limpá-la depois.
*Jonathan Firth é professor sênior em Educação na Universidade de Strathclyde.
**Este texto foi publicado originalmente no site da The Conversation Brasil.

Revisão global para o Enem: aprenda técnica com aprovada em medicina que estudou em casa com livros doados

Filósofos africanos consideram que a palavra ‘África’ é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado
A mãe de Angélica trabalhava como gari e apagava as respostas dos livros usados todos os dias para que a filha pudesse resolver os exercícios. Filha de gari e vigia, Angélica Oton passa para medicina em casa com livros doados
Angélica Oton/Arquivo pessoal
A jornada de estudos de Angélica Oton foi difícil e intensa, mas a fez chegar à realização de um sonho profissional: a aprovação no curso de medicina. Durante três anos, ela estudou em casa com livros doados e outros materiais gratuitos. Para quem está na jornada de estudos para o Enem, a jovem dá dicas de como aplicar a técnica de revisão global.
“Você vai lembrar em novembro o que estudou em fevereiro”, garante a futura médica, de 20 anos, que mora no Sertão da Paraíba.
✏️ Envie a sua redação e receba a correção gratuita
Esse método, segundo a fera em medicina, é feito para que o estudante revise cada assunto que já viu em determinada disciplina.
✅ 🌐 A estratégia de Angélica segue o seguinte passo a passo:
🗓️ O estudante deve escolher um dia da semana para fazer a revisão, como o sábado, por exemplo, que é o último dia da semana;
📚 Depois, o candidato precisa conferir os assuntos que foram estudados até o momento o momento da revisão;
📜 Em seguida, o participante fará uma lista de questões variadas (com todos os assuntos estudados) na quantidade que achar adequada;
⏰ As questões devem ser resolvidas em uma determinada quantidade de tempo. O ideal é que essa simulação siga o mesmo período que o Enem oficial;
✅ Por último, o estudante deve focar na correção das questões e avaliar erros e acertos para continuar os estudos.
Segundo a estudante, esses cinco passos são capazes de ficar uma memória ativa até o dia da prova.
Espaço onde Angélica Oton, aprovada em Medicina, estudou em casa por dois anos
Angélica Oton/Arquivo pessoal
📝 Revisões fixam conteúdos
As revisões são o caminho para a fixação de conteúdos, segundo Angélica. A técnica que mais a ajudou foi a resolução de questões e a criação de resumos.
Outro elemento que funcionou muito bem foi o estímulo visual. A jovem colava post its, que são pequenos recados em papel colorido e colante, na parede. Com o mais importante à vista, no ambiente de estudos, sempre era momento para lembrar algo fundamental, como fórmulas e conceitos.
Angélica Oton e os pais comemorando a aprovação dela em Medicina na UFPB
Angélica Oton/Arquivo pessoal
🏅Dos estudos à aprovação: conheça a história de Angélica
Todos os dias na volta do trabalho exaustivo de gari, Maria do Rosário comprava uma borracha. Em casa, ela apagava todas as respostas escritas pelo antigo dono dos livros doados para a filha, Angélica Oton. Assim, a jovem construía novas repostas e estudava para o Enem.
Quando terminou o ensino médio, a aprovação não veio na primeira tentativa. Nem na segunda. Na terceira, todo o esforço de Angélica e da família dela foram recompensados. Só que até isso acontecer, foram dias e mais dias de estudos. Em alguns deles, ela chegou a passar até 11 horas na frente dos livros, apostilas e provas.
"Todos os dias não eram iguais. Estudava até 11 horas, mas variava. Teve dia que de tão cansada estudei 40 minutos. Mas no meu plano de estudos, devia fechar as 10 horas por dia", explicou.
Como os cursinhos eram caros, os livros e apostilas recebidos por meio de doação se tornaram a principal estratégia de estudos de Angélica, que se identifica com dedicação à teoria.
As aulas eram acompanhadas pelo Youtube. Além da teoria, ainda houve espaço para a prática com a resolução de questões, produção de resumos e revisões semanais.
A aprovação para medicina na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) foi motivo de felicidade para a família.
"Fiquei muito feliz quando eu vi o meu nome. Deu uma sensação de alívio e de dever cumprido. Corri e abracei meu pai. Corri e abracei minha mãe. Os vizinhos chegando. Todo mundo tava torcendo por isso, e a gente ficou muito feliz", lembrou.
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Paraguai adota educação sexual nas escolas com conceitos equivocados que preocupam educadores

Filósofos africanos consideram que a palavra ‘África’ é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado
Programa apresentado pelo Ministério da Educação está sendo testado antes de ser implementado em todo o país. Conteúdo questiona eficácia de camisinha, desestimula a masturbação e mais. Paraguai: plano de educação sexual preocupa educadores de saúde
Em uma decisão inédita no país, o Paraguai está incluindo educação sexual no currículo escolar. E, enquanto psicólogos e entidades como a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) defendem educação sexual para crianças, o programa paraguaio preocupa progressistas e educadores da área da saúde.
A proposta que está sendo apresentada nas escolas do país põe em dúvida a eficácia de camisinhas e perpetua estereótipos sexistas como “meninos não choram” e “meninas são medrosas”.
Sala de aula escola
Reprodução
Muitos na nação, majoritariamente católicam são a favor do programa.
Entre outros temas apresentados na proposta e questionados por especialistas estão:
preservativos não são confiáveis;
masturbação leva a frustração e isolamento;
a roupa das meninas pode influenciar o comportamento dos homens; e
amor conjugal dura para sempre.
Educação sexual na escola
No Paraguai, temas relacionados à direitos e saúde reprodutiva — especialmente da mulher — são tabus. O país tem a maior taxa de gravidez na adolescência da América do Sul, e aborto é crime punível com pena de prisão, inclusive em casos de estupro e incesto.
Programas de educação sexual não limitados à abstinência têm sucesso comprovado na redução das taxas de natalidade entre adolescentes. No entanto, o programa de educação sexual que está sendo introduzido no Paraguai preocupa educadores de saúde e feministas.
A proposta até vai além da educação sexual, e chega a apresentar afirmações como "garotas têm cérebros menores e mais leves", e não faz nenhuma menção à comunidade LGBTQIA+ ou à identidade de gênero — tópico que foi banido das escolas paraguaias em 2017.
O ministro da Educação disse que o novo programa, que está sendo testado em setembro, antes de ser implementado em todo o país, ainda pode ser alterado depois da implementação, mas não deixou claro como isso seria possível.
VÍDEOS DE EDUCAÇÃO

Unioeste abre inscrições para vestibular 2025; veja como se inscrever

Filósofos africanos consideram que a palavra ‘África’ é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado
Provas serão aplicadas no dia 15 de dezembro. Inscrições podem ser feitas até 11 de novembro. Taxa de inscrição é de R$ 199. Unioeste em Cascavel
Reprodução/RPC
Estão abertas as inscrições para o vestibular 2025 da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). As inscrições podem ser feitas até 11 de novembro.
A vagas são para os cinco campi campi da instituição localizados nas cidades de Cascavel, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Marechal Cândido Rondon e Toledo.
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A taxa de inscrição é de R$ 199 e o pagamento pode ser feito por boletos, pix e também com cartão, podendo ser parcelada em duas vezes.
A instituição informou que os boletos só podem ser gerados até o penúltimo dia de inscrição, enquanto as inscrições realizadas no último dia o pagamento deve ser feito no pix ou cartão.
Acesse aqui o edital e página de inscrições
Pedidos de isenção da taxa de inscrição podem ser feitos até o último dia das inscrições.
As provas serão aplicadas no dia 15 de dezembro em Cascavel, Curitiba, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Guarapuava, Marechal Cândido Rondon, Maringá e Toledo, no estado do Paraná, além da cidade de Campo Grande, no estado do Mato Grosso do Sul.
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Cursos sem taxa de inscrição
A Unioeste informou que alguns cursos oferecem isenção na taxa de inscrição para todos os candidatos inscritos. Veja quais a seguir:
Campus de Cascavel
Ciências Biológicas (Bacharelado e Licenciatura)
Ciências Econômicas
Engenharia Agrícola
História
Letras (Português/Espanhol e Português/Italiano), Matemática e Pedagogia/Matutino
Campus Foz do Iguaçu
Ciências Contábeis
Enfermagem
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Hotelaria
Letras (Português/Espanhol e Português/Inglês)
Matemática
Turismo
Campus Francisco Beltrão
Ciências Econômicas
Geografia (Bacharelado e Licenciatura)
Pedagogia (Matutino e Noturno)
Serviço Social
Campus Marechal Cândido Rondon
Educação Física
Geografia
História
Letras (Português/Espanhol e Português/Inglês)
Zootecnia
Campus Toledo
Aquicultura/Engenharia de Pesca
Ciências Econômicas
Ciências Sociais
Engenharia Química
Filosofia (Matutino e Noturno)
Química (Bacharelado e Licenciatura)
Secretariado Executivo Trilíngue
Serviço Social
As vagas do Vestibular 2025 serão compostas da seguinte forma: 50% vaga AC (ampla concorrência) e 50% para Vaga EP (escola pública), dos quais 10% são para a vaga PP (pretos/pardos). Ainda existem 5% de vagas adicionais e exclusivas para a pessoa com deficiência (vaga PCD).
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Filósofos africanos consideram que a palavra ‘África’ é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado

Filósofos africanos consideram que a palavra ‘África’ é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado
Neste texto, pesquisadores da Universidade de Pretória, na África do Sul, discutem a origem da palavra 'África' e defendem uma reflexão sobre a mudança do nome do continente. A essência do projeto de categorização de cores da humanidade era estabelecer a hierarquia racial como parte de uma tentativa de defender o racismo científico e justificar a escravidão, a opressão colonial e a exploração
Jéssica Alves/G1
Os africanos devem ser chamados de negros ou a categorização das pessoas pela cor da pele é uma prática racista? E quanto à África? O nome do continente é uma injúria racial porque foi escolhido pelos exploradores europeus e baseado no clima, e não nas pessoas, e deveria ser renomeado?
Essas são perguntas que o estudioso de filosofia africana Jonathan Okeke Chimakonam considera em sua pesquisa. O The Conversation perguntou o que ele e seu coautor concluíram.
Quem batizou a África e qual o significado do nome?
O nome África foi dado ao continente pelos exploradores, escravagistas e colonizadores europeus que chegaram como comerciantes e exploradores nos anos 1400. Acredita-se que “África” tenha sido tirado do grego aphrike, que significa sem frio; em latim, traduz-se para aprica, que significa ensolarado.
Você sabe como é. Os seres humanos costumam dar nomes a estranhos ou a novos lugares que encontram. Em geral, isso ocorre para que possam identificar essas pessoas ou lugares. Mas a história também mostra que esses “batizados” geralmente não são agradáveis devido ao espírito doentio de competição que naturalmente caracteriza as novas descobertas.
De fato, em muitos casos, os nomes são calúnias destinadas a rebaixar essas pessoas ou lugares. Por exemplo, aprendemos com os relatos de Homero, o antigo poeta grego, que, quando os gregos encontraram pela primeira vez os povos do leste da África, eles os chamaram de aethiops ou Aithiops, que significa rosto queimado pelo sol.
Os antigos judeus se referiam a pessoas de outras nações e crenças como gentios, o que era uma calúnia porque os identificavam como forasteiros. Os antigos chineses se referiam aos povos da Mongólia como bárbaros, e a lista continua.
Às vezes, o insulto não se dirige diretamente às pessoas – por exemplo, quando a cultura e os povos do continente são ignorados na nomeação, como África ou África do Sul. Aphrike se refere ao clima; África do Sul se refere à geografia. O que os dois exemplos têm em comum é o silêncio sobre os habitantes, sua cultura e realizações. Isso implica que a história do lugar começou com o nomeador, como se fosse desabitado antes da chegada dele.
Muamba, bunda, dengo: você usa palavras de línguas africanas sem perceber; faça 'quiz sonoro'
O nome África é uma injúria racial?
A nomenclatura é uma ferramenta que usamos para identificar objetos e dar sentido ao mundo ao nosso redor. Até esse ponto, é uma coisa boa e poderosa. O problema é quando algumas pessoas decidem transformá-la em uma arma, como, por exemplo, usar insultos para desonrar outras pessoas.
A escravidão, o colonialismo e as ideologias racializadas, como o apartheid na África do Sul, continuam sendo algumas das piores armas de utilização de nomes por meio de difamações.
Meu coautor e eu argumentamos em nosso artigo que o nome África é uma injúria racial. Aphrike ou aprica refere-se ao clima quente do continente, talvez em exagero, com a falsa impressão de que o continente é “sem frio”. Se o continente é quente e não tem frio, isso o tornaria o proverbial fogo do inferno, não é mesmo?
Veja o significado de aethiops. Aqui, as pessoas encontradas no continente chamado ensolarado, ou sem frio, tornaram-se pessoas com rostos queimados pelo sol. A dedução é que o sol implacável queimou a pele dos habitantes. Quando algo está queimado ou carbonizado, nós o chamamos de preto.
Alguém se pergunta por que os defensores do racismo científico em algumas universidades europeias nos anos 1700 e 1800, especialmente na Universidade de Göttingen, na Alemanha, decidiram classificar os povos indígenas africanos com a cor preta, os índios americanos com o vermelho, alguns povos asiáticos com o marrom, outros com o amarelo e os europeus com o branco?
Argumentamos que esses são vários níveis de degeneração, com exceção da cor branca, que é intocada, pura e imaculada. Em nossa opinião, identificar um ser humano com qualquer cor é racismo. Identificar-se como branco é desconsiderar os outros como não brancos, o que é racismo indireto, e chamar alguém de qualquer outra cor – como negro – é uma subordinação racial direta.
A essência do projeto de categorização de cores da humanidade era estabelecer a hierarquia racial como parte de uma tentativa de defender o racismo científico e justificar a escravidão, a opressão colonial e a exploração.
O novo 'oceano' que pode estar se abrindo na África e partindo o continente em dois
Vocês defendem que o nome da África seja mudado?
Sim, defendemos. Acreditamos que é uma coisa hedionda um continente inteiro ser chamado por uma calúnia. Muitos países da África, como Zâmbia (Rodésia do Norte), Zimbábue (Rodésia do Sul), Burkina Faso (Alto Volta), Gana (Costa do Ouro), mudaram seus nomes após a independência política porque eram alcunhas que rebaixavam sua cultura e negavam suas realizações como civilizações.
Argumentamos que é isso que o continente também deve fazer. Neste caso, é ainda mais pertinente porque o nome África tem alguns cognatos (nomes que têm a mesma natureza ou origem semelhante) realmente terríveis, como aethiops e black (negro), que são a base da moderna segregação racial antiafricana nos Estados Unidos, do apartheid na África do Sul e da contínua subjugação racial em outras partes do mundo.
Em nosso artigo de pesquisa, propusemos pensar em um nome como Anaesia – derivado de duas palavras Igbo-Africanas, ana e esi, que significam terra ou local de origem – como um substituto para o nome África. Um nome como Anaesia fala aos fatos da história sobre o continente como o primeiro lar de todos os seres humanos e onde a primeira língua humana foi falada.
*Jonathan O. Chimakonam é professor associado do Departamento de Filosofia da Universidade de Pretória.
**Este texto foi publicado originalmente no site da The Conversation Brasil.
Dengo, xingar, moleque…Palavras do nosso dia a dia vieram de línguas africanas